02 de Outubro de 2024 | Larissa Gabriel Alvares
Maduro e jovem pescam juntos em um rio | Créditos: Ron Lach – Pexels
Termo cunhado nos anos 2000 é utilizado até hoje como base para muitos estudos em fomento e desmistificação da longevidade
As zonas azuis, conhecidas internacionalmente como blue zones, são regiões onde os habitantes costumam atingir uma alta expectativa de vida, com muitos deles chegando até mesmo aos 100 anos. Essa é a definição feita pelo Instituto da Longevidade. Atualmente, existem somente cinco destas regiões no mundo inteiro, e muitos cientistas estudam como os hábitos desses indivíduos podem fomentar a longevidade (e também questionam até que ponto essas zonas são, ou não, viáveis).
Na matéria de hoje, a equipe do The Silver Economy reuniu tópicos que te ajudam a entender tudo o que você precisa saber sobre as zonas azuis!
Origem e zonas azuis pelo mundo
Segundo o site oficial do projeto Blue Zones Project, o termo “zonas azuis” foi cunhado pelo explorador, pesquisador e jornalista, Dan Buettner, durante um uma de suas explorações em 2004. Depois de uma expedição a Okinawa, no Japão, nos anos 2000, ele começou a explorar outras regiões do mundo com taxas de longevidade supostamente altas.
Com o apoio de sua equipe de cientistas e demógrafos, Dan viajou pelo mundo em busca de comunidades onde as pessoas não só vivessem mais, mas também desfrutassem de uma qualidade de vida elevada na maturidade. Depois de analisar os dados demográficos e entrevistar pessoas idosas com mais de 100 anos, a equipe identificou, então, cinco regiões que se destacaram pela sua extraordinária longevidade e vitalidade:
– Okinawa, Japão;
– Barbagia da Sardenha, Itália;
– Península de Nicoya, Costa Rica;
– Ikaria, Grécia;
– Loma Linda, na Califórnia, Estados Unidos.
Hábitos e costumes
Mesmo que os locais sejam distantes, o pesquisador Dan conseguiu identificar alguns hábitos e costumes semelhantes nessas cinco regiões, que percorrem desde atividades saudáveis para o cuidado físico do corpo humano até atividades que incentivam a vida social e espiritual. São eles:
01) Caminhadas regulares: pessoas que vivem nas zonas azuis costumam ser muito ativas. Porém, não é uma atividade intensa. São praticados exercícios regulares de baixa intensidade para o tônus muscular, mobilidade e alívio de estresse.
02) Restrição calórica consciente: habitantes das zonas azuis costumam comer suas refeições até estarem 80% saciados, em um ritmo lento. Essa estratégia ajuda a evitar o exagero e muda a percepção do corpo sobre a quantidade de alimentos ingeridos.
03) Alimentação baseada em produtos frescos e vegetais: foco em consumo de verduras, frutas, legumes e castanhas, preferencialmente frescos e preparados em casa.
04) Consumo de vinho com moderação: em pequenas quantidades, o álcool pode reduzir o estresse e melhorar a saúde do coração. Também, o vinho (para os okinawanos, o saquê) é parte de uma cultura e de rituais sociais.
05) Propósito para a vida: motivação para começar o dia. Os habitantes das zonas azuis compreendem claramente o propósito, que pode ser o trabalho, a família ou até mesmo um encontro com amigos.
06) Práticas que nutrem a alma: desacelerar e buscar coisas que façam bem naturalmente, sejam afazeres religiosos ou lazer com amigos e família, o importante é ser algo que “alimente a alma” e traga felicidade.
07) Comunidade espiritual: um ponto em comum entre a maioria dos longevos é a presença da fé. Na análise de Dan, aqueles que se envolvem em práticas religiosas têm uma menor probabilidade de adotar comportamentos prejudiciais, tendendo a serem mais ativos, menos estressados e a terem um nível mais profundo de autoconhecimento.
08) Priorização da família: criação de laços intergeracionais.
09) Pessoas certas ao redor: vínculos sociais profundos com conexões alinhadas com hábitos saudáveis, pois aumentam as chances do outro indivíduo adotá-los.
Iniciativas brasileiras
Um estudo parecido aconteceu em solo brasileiro a cerca de três décadas atrás, quando os pesquisadores e geriatras Dr. Emilio Hideyuki Moriguchi e a Dra. Elizabete Michelon, resolveram investigar as causas da grande quantidade de longevos no município de Veranópolis/RS. A investigação se deu pois a expectativa de vida ao nascer na cidade em 1994 era de 77,4 anos, enquanto no Brasil era de 68,3.
Martin Henkel, Co fundador do Terra da Longevidade Negócios, empresa que posteriormente criaria a chamada “Trilha da Longevidade Brasileira” com base no estudo, contou como era realizado o trabalho de campo com os habitantes do município:
“Os doutores viviam o dia a dia dos longevos, comendo a mesma comida, bebendo a mesma água e degustando moderadamente do mesmo vinho. Tudo era catalogado, medido, com análises bromatológicas das características e componentes das dietas diárias de cada participante”, explica Martin.
Após isso, as empresas Terra da Longevidade Negócios e o Instituto Moriguchi começaram a transformar os 28 anos da pesquisa em uma trilha de estilo de vida, alimentação, atitude, propósito e alegria com base em tal estudo sobre longevidade no Brasil e América Latina. A dieta e a alimentação são partes importantes do processo, sendo apelidadas de Longevidiet:
Ilustração da trilha da longevidade brasileira | Créditos: Reprodução – Nucleo 60 mais
Uma realidade para todos?
Referenciando o propósito do Blue Zones Project, o objetivo do estudo das zonas azuis serve para criação e construção de mais comunidades saudáveis em outras áreas do mundo, como nos Estados Unidos. No entanto, alguns cientistas e pesquisadores questionam até que ponto o conceito de zonas azuis pode ser considerado pseudociência ou uma realidade não alcançável para grande parcela da população.
O jornalista Carlos Orsi, ao escrever uma matéria recente para a Revista Questão de Ciência, pontuou:
“Soa como puro senso-comum, mas falha ao não adotar controles adequados: não é porque dois ou três multibilionários têm o hábito de acordar às quatro da manhã que acordar de madrugada faz alguém ficar rico – pergunte aos motoristas de ônibus e aos catadores de lixo. ‘Receitas de sucesso’ (ou ‘de longevidade’) só fazem jus ao nome se soubermos que existe uma proporção significativa de bem-sucedidos que não seguem nenhuma das tais recomendações.”, diz Carlos.
Na matéria, Calos fez referência ao 34° trabalho de pesquisa ganhador do prêmio IG Nobel, elaborado por Saul Justin Newman, demógrafo da University College London. O Prêmio IgNobel é um prêmio criado pela revista de humor científico Annals of Improbable Research, seu lema é “fazer primeiro as pessoas rirem e depois pensarem”.
Em sua pesquisa, Newman saiu do aspecto filosófico e buscou outros fatores comuns que uniam as zonas azuis, e os denominou como fatores “anti-saúde”. Foram identificados índices como: pobreza, miséria, alto desemprego, alto índice de analfabetismo, baixa expectativa média de vida, alta criminalidade, e ausência de registros confiáveis de nascimento e de óbito.
Em uma entrevista concedida ao The Conversation após receber o IgNobel, Newman exemplificou melhor sobre a ausência de registros confiáveis de certidão de nascimento, e como o mau uso e apuração desses dados podem causar equívocos na identificação real da idade de indivíduos com mais de 100 anos:
“No total, 82% dos registros de supercentenários nos EUA são anteriores à adoção de certidões de nascimento em seus estados. Quando esses estados passam a ter cobertura total de certidão de nascimento, o número de supercentenários cai 82% ao ano”.
“Eu rastreei 80% das pessoas com mais de 110 anos no mundo (os outros 20% são de países que você não consegue analisar significativamente). Destes, quase nenhum tem certidão de nascimento. Nos EUA, há mais de 500 dessas pessoas; sete têm certidão de nascimento”, revela Newman.
Ainda, é válido ressaltar que o levantamento de Newman não passou por revisão de pares (que consiste em submeter o trabalho científico à revisão minuciosa de um ou mais especialistas do mesmo escalão que o autor). No entanto, muitos livros, reportagens e documentários que enaltecem as zonas azuis também não passaram por essa revisão.