(crédito: Maurenilson Freire)
4 de Dezembro de 2023 | Por Patrick Selvatti
A população brasileira está 57% mais envelhecida. Os números do Censo 2022 revelam que estamos vivendo mais e isso nos leva a diversas reflexões sociais, políticas, econômicas, comportamentais e de saúde. Principalmente no que se refere a um mal chamado etarismo.
É possível constatar que grande parte dessas pessoas que atravessam a porta dos 65 anos lamenta a própria sorte. Como se atingir essa etapa da vida fosse o estágio final. Isso porque, para a sociedade, ainda é sobre acumular idosos. Envelhecer, porém, é um sintoma de que estamos vivendo mais. E a longevidade, acima de tudo, deve ser comemorada.
Na Bíblia Sagrada, veremos que os anciãos eram personagens comuns. No Antigo Testamento, os anciãos Abraão e Sara, com cerca de 100 anos, estão no protagonismo de um enredo de maternidade. Na atualidade, contudo, pessoas idosas são coadjuvantes e, em alguns casos, atiradas a uma mera figuração. E isso ocorre, muitas vezes, no próprio núcleo familiar. Em quantos lares os vovôs e as vovós não são tratados como mobília?
Na contemporaneidade, tornar-se idoso deixou de ser um privilégio para se tornar um peso. Se antes um ser humano mais velho era considerado um sábio a quem todos respeitavam, agora a ótica é de receio, estranheza e até desprezo. No trânsito, no trabalho, na fila do banco, no ônibus. Especialmente quando há a prerrogativa de atendimento preferencial.
E há, sim, um desrespeito ainda maior às mulheres que avançam no tempo. Até porque elas são a maioria. No Distrito Federal, segundo o IBGE, quase 60% dos que têm acima de 65 anos são do sexo feminino. O que escancara, ainda mais, outro ponto relacionado à capacidade de ter uma vida longeva: no geral, os homens se cuidam menos.
Lamentavelmente, o Censo 2022 ainda não consolidou o recorte LGBTQIAPN . Os dados específicos comprovariam que os homossexuais do sexo masculino — que tradicionalmente flertam com um cuidado maior com estética e estilo de vida — vivem mais que os heterossexuais. Essa preocupação com a qualidade de vida se converge em longevidade, mas não em uma velhice menos enfadonha. A busca constante por um corpo rejuvenescido é maior porque há uma cobrança intrínseca ao meio. O preconceito é duplicado por ser um gay velho — e se multiplica com racismo, classismo e gordofobia. Por muitos que habitam esse lugar não terem a aceitação da família nem filhos, a solidão é um encontro inevitável e cruel como a morte.
Em sua obra A velhice, Simone de Beauvoir explicita que o receio de se tornar velho vem muito do medo de encarar a finitude. Para que prolongar um sofrimento? Doenças relacionadas à mente e à alma têm exterminado povos tanto quanto o câncer e doenças cardíacas. A depressão é uma bomba invisível atirada pela guerra social. Há um terrorismo subliminar que nos apavora em relação ao envelhecimento e que nos faz questionar se vale a pena entrar para essa estatística da longevidade.
Mas a própria pensadora conclui: viver é envelhecer, nada mais. Que isso se naturalize.